Desembargador deu liminar sem ler para favorecer procurador do Mato Grosso do Sul, diz PF
Para os investigadores, o magistrado teria encarregado um assessor de redigir o texto da liminar e assinar o documento por ele

A Operação Última Ratio, da Polícia Federal, indica que o procurador de Justiça do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, Marcos Antônio Martins Sottoriva é suspeito de se valer de um esquema de tráfico de influência no Tribunal de Justiça estadual para obter uma liminar favorável a seus interesses na compra de uma fazenda de R$ 5 milhões. A decisão foi assinada pelo desembargador do TJ-MS Marcos José Brito Rodrigues, mas a PF suspeita de que ele nem sequer se deu ao trabalho de ler os autos e de fazer o despacho. A reportagem procurou Sottoriva, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
A ação foi deflagrada nesta quinta-feira (24), por ordem do ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça. Cinco desembargadores — Marcos Brito é um deles — foram afastados das funções por 180 dias e vão usar tornozeleira eletrônica. Um sexto desembargador, aposentado, também é investigado. Em sua casa, a PF apreendeu R$ 3 milhões em espécie. O TJ-MS disse que “os fatos ainda estão sob investigação, não havendo, por enquanto, qualquer juízo de culpa definitivo”.
Os investigadores avaliam que o episódio da liminar, ocorrido em 2020, representa uma “decisão judicial em favorecimento indevido em razão do cargo de uma das partes”, e ainda consideram que o procurador foi beneficiado por “subterfúgio criado pelo juízo para obter vantagem em questão negocial em clara violação aos princípios da imparcialidade e da equidistância da jurisdição”.
Diálogos
As suspeitas que recaem sobre o procurador e o desembargador partem de mensagens recuperadas pela PF e que “demonstram fatos bastante graves”. Em um dos diálogos, Sottoriva envia ao magistrado o número de um recurso ajuizado por ele contra uma decisão de primeiro grau que negou seu pedido no caso da fazenda O procurador pedia a suspensão das parcelas da compra, sua manutenção na posse da área até a devolução dos valores que já havia repassado e a devolução de três imóveis que tinha entregado como parte do pagamento. No mesmo pedido, Sottoriva incluiu a suspensão de aluguéis referentes a um imóvel que ele havia transferido como pagamento, mas seguia usando. No processo, a outra parte sustentava que ele não apenas é procurador, mas pecuarista. “Tem pleno conhecimento dos termos do contrato e do mercado do boi gordo, não podendo suscitar ignorância ou desconhecimento do negócio que celebrou, sendo que o contrato foi redigido pelo filho dele, que é advogado.”
Segundo a PF, sem ter acessado os autos, o desembargador Marcos Brito pediu a seu assessor que providenciasse a elaboração de liminar, nos termos que atendessem às demandas do procurador. E o orientou a assinar sua decisão.
Genérica
Conforme os investigadores, o magistrado “não elaborou a decisão, não a conferiu e nem assinou”, e sua atuação se limitou a “uma ordem a assessor que favorece indevidamente um procurador de Justiça”. O inquérito diz que a “fundamentação para a concessão da liminar é genérica, limitando-se a citar textos de dispositivos legais”. Segundo a PF, depois da concessão da liminar, Sottoriva enviou mensagens a Marcos Brito informando sobre o acordo selado. “Graças a Deus e ao seu trabalho… acabamos por fechar um acordo… consegui alongar a dívida em mais uma parcela (…) Obrigado de coração”.